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O Congresso Nacional de OncoSexologia decorreu entre os dias 5 e 7 de maio, em Coimbra. Sob o lema de abordar a “sexualidade para além do cancro”, foram discutidos vários temas, num debate descomplexado e de olhos postos no futuro, com grande foco na importância de fomentar a multidisciplinaridade e apostar na formação.
Pedro Bastos Reis
Para Ricardo Godinho, responsável pelo Grupo Multidisciplinar de OncoSexologia do Instituto Português de Oncologia (IPO) de Coimbra, as expectativas em torno deste congresso pioneiro foram superadas. “O grande objetivo era dar uma ideia sobre o passado, o presente e o possível futuro da OncoSexologia. E, nesse sentido, foi um evento muito produtivo”, reitera o presidente da Comissão Organizadora.
Depois de um dia pré-congresso marcado por dois workshops – um de prevenção da estenose vaginal e outro sobre o sexo do cérebro –, o evento arrancou em pleno com a sessão de abertura, no dia 6 de maio, seguida da conferência inaugural. “O Prof. Nuno Monteiro Pereira falou da sexualidade desde o início da história da humanidade até aos dias de hoje, referindo a evolução mais recente deste conceito e das diferentes correntes”, resume Carlos Rabaça, moderador da conferência.
Do programa do evento, o diretor do Serviço de Urologia do IPO Coimbra destaca ainda a sessão “Na primeira pessoa”, que contou com testemunhos de doentes, entre eles o ator Gonçalo Diniz e a locutora de rádio Joana Cruz. “Esta permitiu uma importante partilha de experiência, e os doentes foram muito corajosos em falar da sua sexualidade e dos problemas que a doença e os tratamentos lhes trouxeram.”
Outros dos momentos altos foi a mesa-redonda em que se debateram as experiências e o trabalho desenvolvido pelos três IPO (Lisboa, Coimbra e Porto). Nesta, Lúcia Monteiro apresentou a perspetiva histórica do início de uma atividade em que a sua equipa foi pioneira
Entre os principais desafios, a psiquiatra e diretora da Clínica de OncoSexologia do IPO Lisboa destaca a questão da comunicação, “porque falar de sexo em contexto clínico é a principal dificuldade, uma vez que vêm ao de cima todos os pudores, preconceitos e medos”. “Sabemos que nesta área o doente não toma a iniciativa.
Por isso, têm de ser os profissionais de saúde a colocar as perguntas. Ao fazê-lo, normalizam as questões sexuais, capacitando o doente e facilitando a comunicação nesta esfera”, sublinha.
Lúcia Monteiro defende ainda a necessidade de se realizarem mais eventos científicos na área da OncoSexologia. “É importante fazermos estes cursos com regularidade, de preferência noutros pontos do país, para que cada vez mais profissionais tenham conhecimentos e possam abordar os problemas sexuais dos doentes e sobreviventes de cancro.”
Por sua vez, Ricardo Godinho releva a importância da multidisciplinaridade. “Na minha apresentação frisei que o papel dos urologistas é de ligação entre especialidades. Comunicamos e trabalhamos todos em conjunto, e só assim obtemos bons resultados.” Segundo o especialista, “reconhece-se, hoje, que o papel da Radioterapia, da Psicologia e da Psiquiatria são fundamentais para melhorar o bem-estar do doente oncológico com problemas de foro sexual”.
Em representação do IPO Porto, que começou recentemente a dar os primeiros passos na OncoSexologia, João Carvalho falou de algumas das dificuldades atuais, fazendo também menção aos projetos para o futuro. “É importante sensibilizar a administração hospitalar e outras entidades para o problema da sexualidade, que é sério e deve ser encarado como tal.”
Por outro lado, o urologista nota que, apesar de ainda persistirem algumas reservas em abordar esta área, “há cada vez mais profissionais envolvidos e motivados, que têm experiência e são proativos”. “Além da consciencialização dos profissionais de saúde para as questões da sexualidade, a solução passa por apostar cada vez mais na multidisciplinaridade e no diálogo entre os IPO”, conclui João Carvalho.
Ao longo dos três dias, foram debatidos temas como cancro e sexualidade, boas práticas na saúde sexual, radioterapia, educação e inovação na era digital, sexualidade no envelhecimento e em cuidados paliativos, sem esquecer a ligação aos cuidados de saúde primários.
ABORDAGEM DA DISFUNÇÃO SEXUAL
As disfunções sexuais no homem foram abordadas por Pedro Vendeira, que alerta para a “necessidade de considerar o impacto dos tratamentos”, além da doença que leva à perturbação da esfera sexual. Uma vez que nesta área ainda persistem muitos “pudores e preconceitos”, o responsável pelo Núcleo de Urologia da Clínica do Dragão, no Porto, defende que “o urologista tem de assumir um papel central, conhecendo as armas terapêuticas orais, locais e cirúrgicas”.
Segundo Pedro Vendeira, “é preciso estar atento e saber diagnosticar”. “Há uma miríade de situações ligadas à disfunção sexual que, no caso particular dos urologistas, temos de saber perguntar, ouvir, aconselhar e, quiçá, tratar.” E acrescenta: “Os profissionais de saúde devem ser mais pró-ativos nessa abordagem, colocando questões abertas de forma a tentar quebrar o gelo, deixando o doente à vontade para expor os seus problemas.”